Entendendo a diferença entre União Estável e Namoro Qualificado

Entendendo a diferença entre União Estável e Namoro Qualificado

No Direito de Família, um tema que frequentemente gera dúvida é a distinção entre união estável e o chamado namoro qualificado. Embora possam parecer semelhantes à primeira vista, as consequências jurídicas de cada situação são muito diferentes, especialmente no que diz respeito a direitos patrimoniais e sucessórios.

A união estável é reconhecida pela Constituição Federal (artigo 226, §3º) e pelo Código Civil (artigos 1.723 a 1.727) e ocorre quando duas pessoas, de forma pública, contínua e duradoura, estabelecem uma vida em comum com o intuito de constituir família.

Dentre as principais características, podemos destacar a publicidade do relacionamento (socialmente conhecido); a continuidade (estabilidade da relação e não mera casualidade); a durabilidade e a finalidade familiar (ou seja, a vontade, o animus de formar o núcleo familiar).

Nessa situação, aplicam-se os efeitos jurídicos previstos para a união estável, como a adoção do regime da comunhão parcial de bens, salvo estipulação em contrato diverso, o direito de participação na herança, a possibilidade de prestação de alimentos entre os companheiros e a faculdade de conversão da união em casamento.

Por sua vez, o namoro qualificado pode ser classificado como um “degrau antes da união estável”. 

Isto porque, se trata de um relacionamento sério, duradouro, público e até mesmo com coabitação, mas sem intenção imediata de constituir família, ou seja, o casal pode planejar o futuro juntos, compartilhar momentos importantes e até morar sob o mesmo teto, mas ainda não há a concretização do projeto familiar. Afinal, pode haver namoros longos que jamais se transformam em entidade familiar e relacionamentos curtos que logo se caracterizam como união estável.  

O entendimento jurisprudencial, sobretudo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), já firmou posicionamento de que o namoro qualificado não gera efeitos jurídicos típicos da união estável. Trata-se, portanto, de uma fase de amadurecimento do vínculo afetivo, que pode ou não evoluir para a constituição de uma família.

Nesse cenário a distinção na prática se faz importante, haja vista que na união estável há partilha de bens adquiridos onerosamente durante a convivência e direitos sucessórios em caso de falecimento de um dos companheiros.

Por sua vez, no namoro qualificado não existem tais direitos, pois não há reconhecimento de entidade familiar.

Na contemporaneidade, devido à evolução dos costumes, à amplitude da liberdade sexual e à expansão da fluidez das relações afetivas (isto é, de “amor líquido” ou da “cultura da gratificação instantânea e descartável”), inclusive do sexo virtual, há maior dificuldade em distinguir o mero namoro, do namoro qualificado e da união estável.

Assim, a questão central é justamente comprovar se há ou não o intuito de constituir família. Elementos como declarações em redes sociais, contratos de namoro, testemunhas e a forma como o casal se apresentava à sociedade podem ser decisivos, mas dependem indiscutivelmente do exame aprofundado da prova pelo Judiciário.

Com efeito, saber distinguir união estável de namoro qualificado é essencial para evitar inseguranças, razão pela qual cada caso deve ser analisado em sua realidade concreta, porém a chave está no “animus familiae”, isto é, a clara intenção de formar uma família, como critério subjetivo e o preenchimento coexistente dos elementos objetivos descritos na norma (convivência pública, contínua e com, ao menos, razoável duração), a serem adequadamente identificados.

Vale lembrar que o chamado contrato de namoro pode ser uma ferramenta útil para demonstrar a ausência de intenção imediata de constituir família. Embora não seja absoluto, já que o juiz analisará as provas do caso concreto, funciona como importante elemento de prevenção de litígios.

Para casais que desejam prevenir conflitos futuros, é recomendável formalizar sua situação por meio de escritura pública de união estável ou até mesmo contrato de namoro, instrumentos que conferem maior segurança jurídica e patrimonial.


 STJ – AREsp: 2606382, Relator.: Ministro MARCO BUZZI, Data de Publicação: Data da Publicação DJ 30/10/2024. 

Autor(a): Dra. Ana Elisa Del Padre